segunda-feira, 20 de julho de 2009

Uma tarde no Bombay's Café

Na noite anterior, o parvo do meu futuro ex-marido tinha-me sacaneado o juízo até me fazer chorar - e me impedir de dormir, ora pois. Calhava mesmo bem, porque de manhã fui fazer (ou melhor, olhar para...) o exame de Mercados Financeiros. Saí de lá com uma cabeça de melão, olhos inchados e vontade de despedaçar alguém, de chorar, de fugir para a Lua ou mais além!!! Onze e meia... que diabo vou fazer até à aula das três?
Sentei-me num banco da Avenue de l'Hôpital, ainda húmido da chuvinha da manhã, trespassada pela brisa gélida de Dezembro. Senti que aquele céu cinza chumbo se impregnava em mim, colado ao meu coração como chiclet em sola de sapato. Não sei quanto tempo ali fiquei a gelar, mas quando o meu telefone tocou foi difícil falar porque os dentes batiam. Alguém me perguntava se eu queria ir almoçar, e de repente, perdida nas nuvens dos meus pensamentos, não percebi quem era... Estou na Place d'Italie e lembrei-me que me disseste que estavas em Paris este ano. Sou o Yves, lembras-te? Vimo-nos em Outubro, em Portugal... Estás em Paris? A voz era alegre e soou-me de repente familiar. Claro, o Yves! Simpático, velhote, olhos azuis. Place d'Italie? Isso é a 300 metros, bolas... e fui.
O Yves é jornalista desportivo, faz reportagens sobre automóveis e tinha vindo a uma feira importante em Paris. Porque é que ele se lembrou de mim, nesse dia, nunca o saberei. Tínhamos falado duas ou três vezes um com o outro, e devo ter-lhe dito que vinha para Paris. Desde Outubro, quando nos cruzámos por acaso no Rally de Portugal, nunca mais tínhamos falado, mas trinta segundos tinham bastado para simpatizarmos um com o outro. Trocámos contactos com a certeza de quem nunca será contactado.
Foi a custo que obriguei os meus joelhos gelados a me transportarem à Place d'Italie, onde o Yves me esperava no Bombay's Café. Quando ele me viu, vi também eu um sorriso que se lhe desvanecia nos lábios, um olhar de espanto entre sobrolhos franzidos, duas mãos que me seguravam os ombros e um o que é que se passa? que substituía o olá. Não consegui dizer nada, apenas chorar abraçada ao único ombro que se me apresentava disponível, conhecido ou não. Ele deixou-me chorar sem dizer palavra e esperou pacientemente que eu me acalmasse.
Acabei por lhe contar tudo o que me pesava, e pouco a pouco senti um alívio invadir-me o peito à medida que purgava todas aquelas mágoas e ressentimentos amarelados que me envenenavam a alma. Dei por mim a fazer confidências a um françês que mal conhecia e que me contava entre suspiros o desgosto da mulher que o tinha deixado por outro meses atrás.
De repente, deixámos de ser meros conhecidos e encontrámos um ponto comum, algo que nos unia apesar das vidas diferentes que levávamos.
Fiquei no Bombay's Café toda essa tarde de Dezembro, a ver caír uma chuva miudinha no lusco-fusco e a falar com ele entre fatias de tarte de maçã e cafés. Fiquei no Bombay's Café toda essa tarde, perdendo aulas e ganhando amigos na contabilidade estranha da vida.
Hoje não é Dezembro, mas como todos os dias desde essa tarde vou ligar ao Yves, simplesmente para saber o que ele fez. Hoje não é Dezembro, mas como nessa tarde o Yves está ao meu lado para me ouvir, me aconselhar, me animar. Hoje não é Dezembro, mas ainda hoje me espanto das astúcias da vida que me levaram nessa tarde ao Bombay's Café.

Sem comentários:

Enviar um comentário