domingo, 12 de julho de 2009

O dia da procissão

Estou longe, separada não pelos quilómetros mas pelas horas e dias e anos que me arrancaram das procissões, do cheiro da carne assada, do restolhar das folhas da roseira do jardim, da minha Biu a catar-me piolhos enquanto eu comia carapaus fritos, de cabeça deitada no violeta de um fim de tarde de Junho. A minha aldeia não é mais a minha aldeia, não porque lá não estou mas porque mais ninguém lá está.
Acordei para esta realidade num dia de Junho de 2007. Era a Festa do Senhor, dia de procissão, colchas à janela, alecrim na porta! Desde manhã, a azáfama: varrer a entrada, tirar as colchas do gavetão, ó ti Lenir arranje-me aí umas urzes, comprar na Fátima um bolo da Páscoa, vestir uma fatiota bonita, pintar-me, perfumar-me... e finalmente à varanda a ver a procissão. E aí, nesse exacto momento, a minha irmã não disputava o meu lugar, a Biu não apoiava os cotovelos na janela da sala, a minha avó não cochichava com a tia Lilé, olhe só como ela vai bem posta ó cunhada, a minha mãe não estava ao meu lado nem o meu pai bocejava, então ainda não acabou?! e o meu avô não dormia no sofá. Eu era a única pessoa em casa e aguentei firme na varanda, sobrevivente da vazante da família. Mas foi esse o dia em que, sem que ninguém o percebesse, me despedi para sempre da minha aldeia e fugi. Fugi cobardemente, adicionando quilómetros aos anos, porque dói mais estar só nos lugares que conhecemos, porque não suporto mais abrir a cancela do cemitério para vos ver a todos de pálpebras desmaiadas sob o grito das andorinhas.

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