Uma simples frase do meu chefe e um novo mundo de esperança se abre para mim... e naquele instante, num open space impessoal do segundo maior banco de França, na minha frente estavas tu, minha Biu, pálida de dois anos na cama articulada, uma carcaça a agarrar-me o braço com força até doer e a sussurrar-me, como se fosse segredo, sabes, minha filha, todos os dias Deus dá-nos um presente...
domingo, 8 de novembro de 2009
Presentes
Uma simples frase do meu chefe e um novo mundo de esperança se abre para mim... e naquele instante, num open space impessoal do segundo maior banco de França, na minha frente estavas tu, minha Biu, pálida de dois anos na cama articulada, uma carcaça a agarrar-me o braço com força até doer e a sussurrar-me, como se fosse segredo, sabes, minha filha, todos os dias Deus dá-nos um presente...
domingo, 20 de setembro de 2009
A importância das coisas
O ser humano em vias de desenvolvimento que cohabita comigo esta despensa parisiense faz um escândalo às seis da madrugada, mamã, mamã, anda ver, mamã, e eu de cuecas e olhos abotoados, que caraças, que é que foi agora... Os passarinhos, mamã! A Florzinha pôs um ovo, olha, mamã! Raios partam a porra dos bichos, que sorte de cão... arrasto-me até à gaiola e dubroço-me sobre a Ninis que dá pulinhos de excitação um ovo, mamã, um ovo... No chão da gaiola, desolado, um ovito minúsculo e branco - ora ainda mais esta... O ovo parecia ridículamente pequeno e perdido, e o meu instinto maternal comoveu-se daquela desolação. Seis da manhã, senhores... Sacudo rapidamente a ideia de uma minúscula omelete: bom, parece que temos de fazer um ninho aos teus passarinhos, Ninis. Ela continuava a saltitar abraçada a um peluche ué, que giro, vamos ter passarinhos bebés, mamã? Vamos? Podemos fazer o ninho agora, mamã? Podemos? Céus, são seis da matina, tenham dó... Difícil mesmo foi convencê-la a ir para a escola depois disto, mas entre promessas, protestos e explicações pseudo-científicas das etapas de gestação de um ovo (peço-lhe perdão, stora, devia ter estado mais atenta à Biologia...), lá se afastou escola dentro, desaparecendo atrás da mochila.
Às seis da tarde, estamos de volta a casa e pouco a pouco uma velha t-shirt e um pedaço de cartão transformam-se num ninho improvisado. A Ninis está radiante de poder pôr o ovo no seu lugar, quer absolutmente tocar-lhe e volto a repetir toda a história da gema, da clara, do pinto, do choco, blablabla... googlamos a coisa e aí estão os esquemas, o corte transversal e as etapas de evolução do pinto e, bolas, também há ovos de cobras, mamã? A sério? E crocodilos também?? E como fazem as mamãs crocodilo para chocar os ovos? Sinto-me uma espécie de David Attenborough de contrefacção comprado na feira...
Deitada na cama essa noite, exausta, maravilho-me como um pequeno ovo pode preencher todo um dia... a excitação da Ninis, o jantar a correr para olhar o ovo, e agora, mamã, que é que vai acontecer? Não posso evitar sorrir. E que dia é hoje, mesmo? 16? Não, 17... a ideia atinge-me como uma bala: faz quatro anos que a minha mãe morreu. Num segundo, recrimino-me horrorizada por ter passado todo o dia sem me lembrar, mas no segundo seguinte sorrio de novo - porque o ovo é mais urgente, até mais importante... e declaro-me viva, hoje.
Às seis da tarde, estamos de volta a casa e pouco a pouco uma velha t-shirt e um pedaço de cartão transformam-se num ninho improvisado. A Ninis está radiante de poder pôr o ovo no seu lugar, quer absolutmente tocar-lhe e volto a repetir toda a história da gema, da clara, do pinto, do choco, blablabla... googlamos a coisa e aí estão os esquemas, o corte transversal e as etapas de evolução do pinto e, bolas, também há ovos de cobras, mamã? A sério? E crocodilos também?? E como fazem as mamãs crocodilo para chocar os ovos? Sinto-me uma espécie de David Attenborough de contrefacção comprado na feira...
Deitada na cama essa noite, exausta, maravilho-me como um pequeno ovo pode preencher todo um dia... a excitação da Ninis, o jantar a correr para olhar o ovo, e agora, mamã, que é que vai acontecer? Não posso evitar sorrir. E que dia é hoje, mesmo? 16? Não, 17... a ideia atinge-me como uma bala: faz quatro anos que a minha mãe morreu. Num segundo, recrimino-me horrorizada por ter passado todo o dia sem me lembrar, mas no segundo seguinte sorrio de novo - porque o ovo é mais urgente, até mais importante... e declaro-me viva, hoje.
segunda-feira, 20 de julho de 2009
Uma tarde no Bombay's Café
Na noite anterior, o parvo do meu futuro ex-marido tinha-me sacaneado o juízo até me fazer chorar - e me impedir de dormir, ora pois. Calhava mesmo bem, porque de manhã fui fazer (ou melhor, olhar para...) o exame de Mercados Financeiros. Saí de lá com uma cabeça de melão, olhos inchados e vontade de despedaçar alguém, de chorar, de fugir para a Lua ou mais além!!! Onze e meia... que diabo vou fazer até à aula das três?
Sentei-me num banco da Avenue de l'Hôpital, ainda húmido da chuvinha da manhã, trespassada pela brisa gélida de Dezembro. Senti que aquele céu cinza chumbo se impregnava em mim, colado ao meu coração como chiclet em sola de sapato. Não sei quanto tempo ali fiquei a gelar, mas quando o meu telefone tocou foi difícil falar porque os dentes batiam. Alguém me perguntava se eu queria ir almoçar, e de repente, perdida nas nuvens dos meus pensamentos, não percebi quem era... Estou na Place d'Italie e lembrei-me que me disseste que estavas em Paris este ano. Sou o Yves, lembras-te? Vimo-nos em Outubro, em Portugal... Estás em Paris? A voz era alegre e soou-me de repente familiar. Claro, o Yves! Simpático, velhote, olhos azuis. Place d'Italie? Isso é a 300 metros, bolas... e fui.
O Yves é jornalista desportivo, faz reportagens sobre automóveis e tinha vindo a uma feira importante em Paris. Porque é que ele se lembrou de mim, nesse dia, nunca o saberei. Tínhamos falado duas ou três vezes um com o outro, e devo ter-lhe dito que vinha para Paris. Desde Outubro, quando nos cruzámos por acaso no Rally de Portugal, nunca mais tínhamos falado, mas trinta segundos tinham bastado para simpatizarmos um com o outro. Trocámos contactos com a certeza de quem nunca será contactado.
Foi a custo que obriguei os meus joelhos gelados a me transportarem à Place d'Italie, onde o Yves me esperava no Bombay's Café. Quando ele me viu, vi também eu um sorriso que se lhe desvanecia nos lábios, um olhar de espanto entre sobrolhos franzidos, duas mãos que me seguravam os ombros e um o que é que se passa? que substituía o olá. Não consegui dizer nada, apenas chorar abraçada ao único ombro que se me apresentava disponível, conhecido ou não. Ele deixou-me chorar sem dizer palavra e esperou pacientemente que eu me acalmasse.
Acabei por lhe contar tudo o que me pesava, e pouco a pouco senti um alívio invadir-me o peito à medida que purgava todas aquelas mágoas e ressentimentos amarelados que me envenenavam a alma. Dei por mim a fazer confidências a um françês que mal conhecia e que me contava entre suspiros o desgosto da mulher que o tinha deixado por outro meses atrás.
De repente, deixámos de ser meros conhecidos e encontrámos um ponto comum, algo que nos unia apesar das vidas diferentes que levávamos.
Fiquei no Bombay's Café toda essa tarde de Dezembro, a ver caír uma chuva miudinha no lusco-fusco e a falar com ele entre fatias de tarte de maçã e cafés. Fiquei no Bombay's Café toda essa tarde, perdendo aulas e ganhando amigos na contabilidade estranha da vida.
Hoje não é Dezembro, mas como todos os dias desde essa tarde vou ligar ao Yves, simplesmente para saber o que ele fez. Hoje não é Dezembro, mas como nessa tarde o Yves está ao meu lado para me ouvir, me aconselhar, me animar. Hoje não é Dezembro, mas ainda hoje me espanto das astúcias da vida que me levaram nessa tarde ao Bombay's Café.
Sentei-me num banco da Avenue de l'Hôpital, ainda húmido da chuvinha da manhã, trespassada pela brisa gélida de Dezembro. Senti que aquele céu cinza chumbo se impregnava em mim, colado ao meu coração como chiclet em sola de sapato. Não sei quanto tempo ali fiquei a gelar, mas quando o meu telefone tocou foi difícil falar porque os dentes batiam. Alguém me perguntava se eu queria ir almoçar, e de repente, perdida nas nuvens dos meus pensamentos, não percebi quem era... Estou na Place d'Italie e lembrei-me que me disseste que estavas em Paris este ano. Sou o Yves, lembras-te? Vimo-nos em Outubro, em Portugal... Estás em Paris? A voz era alegre e soou-me de repente familiar. Claro, o Yves! Simpático, velhote, olhos azuis. Place d'Italie? Isso é a 300 metros, bolas... e fui.
O Yves é jornalista desportivo, faz reportagens sobre automóveis e tinha vindo a uma feira importante em Paris. Porque é que ele se lembrou de mim, nesse dia, nunca o saberei. Tínhamos falado duas ou três vezes um com o outro, e devo ter-lhe dito que vinha para Paris. Desde Outubro, quando nos cruzámos por acaso no Rally de Portugal, nunca mais tínhamos falado, mas trinta segundos tinham bastado para simpatizarmos um com o outro. Trocámos contactos com a certeza de quem nunca será contactado.
Foi a custo que obriguei os meus joelhos gelados a me transportarem à Place d'Italie, onde o Yves me esperava no Bombay's Café. Quando ele me viu, vi também eu um sorriso que se lhe desvanecia nos lábios, um olhar de espanto entre sobrolhos franzidos, duas mãos que me seguravam os ombros e um o que é que se passa? que substituía o olá. Não consegui dizer nada, apenas chorar abraçada ao único ombro que se me apresentava disponível, conhecido ou não. Ele deixou-me chorar sem dizer palavra e esperou pacientemente que eu me acalmasse.
Acabei por lhe contar tudo o que me pesava, e pouco a pouco senti um alívio invadir-me o peito à medida que purgava todas aquelas mágoas e ressentimentos amarelados que me envenenavam a alma. Dei por mim a fazer confidências a um françês que mal conhecia e que me contava entre suspiros o desgosto da mulher que o tinha deixado por outro meses atrás.
De repente, deixámos de ser meros conhecidos e encontrámos um ponto comum, algo que nos unia apesar das vidas diferentes que levávamos.
Fiquei no Bombay's Café toda essa tarde de Dezembro, a ver caír uma chuva miudinha no lusco-fusco e a falar com ele entre fatias de tarte de maçã e cafés. Fiquei no Bombay's Café toda essa tarde, perdendo aulas e ganhando amigos na contabilidade estranha da vida.
Hoje não é Dezembro, mas como todos os dias desde essa tarde vou ligar ao Yves, simplesmente para saber o que ele fez. Hoje não é Dezembro, mas como nessa tarde o Yves está ao meu lado para me ouvir, me aconselhar, me animar. Hoje não é Dezembro, mas ainda hoje me espanto das astúcias da vida que me levaram nessa tarde ao Bombay's Café.
domingo, 12 de julho de 2009
O dia da procissão
Estou longe, separada não pelos quilómetros mas pelas horas e dias e anos que me arrancaram das procissões, do cheiro da carne assada, do restolhar das folhas da roseira do jardim, da minha Biu a catar-me piolhos enquanto eu comia carapaus fritos, de cabeça deitada no violeta de um fim de tarde de Junho. A minha aldeia não é mais a minha aldeia, não porque lá não estou mas porque mais ninguém lá está.
Acordei para esta realidade num dia de Junho de 2007. Era a Festa do Senhor, dia de procissão, colchas à janela, alecrim na porta! Desde manhã, a azáfama: varrer a entrada, tirar as colchas do gavetão, ó ti Lenir arranje-me aí umas urzes, comprar na Fátima um bolo da Páscoa, vestir uma fatiota bonita, pintar-me, perfumar-me... e finalmente à varanda a ver a procissão. E aí, nesse exacto momento, a minha irmã não disputava o meu lugar, a Biu não apoiava os cotovelos na janela da sala, a minha avó não cochichava com a tia Lilé, olhe só como ela vai bem posta ó cunhada, a minha mãe não estava ao meu lado nem o meu pai bocejava, então ainda não acabou?! e o meu avô não dormia no sofá. Eu era a única pessoa em casa e aguentei firme na varanda, sobrevivente da vazante da família. Mas foi esse o dia em que, sem que ninguém o percebesse, me despedi para sempre da minha aldeia e fugi. Fugi cobardemente, adicionando quilómetros aos anos, porque dói mais estar só nos lugares que conhecemos, porque não suporto mais abrir a cancela do cemitério para vos ver a todos de pálpebras desmaiadas sob o grito das andorinhas.
Acordei para esta realidade num dia de Junho de 2007. Era a Festa do Senhor, dia de procissão, colchas à janela, alecrim na porta! Desde manhã, a azáfama: varrer a entrada, tirar as colchas do gavetão, ó ti Lenir arranje-me aí umas urzes, comprar na Fátima um bolo da Páscoa, vestir uma fatiota bonita, pintar-me, perfumar-me... e finalmente à varanda a ver a procissão. E aí, nesse exacto momento, a minha irmã não disputava o meu lugar, a Biu não apoiava os cotovelos na janela da sala, a minha avó não cochichava com a tia Lilé, olhe só como ela vai bem posta ó cunhada, a minha mãe não estava ao meu lado nem o meu pai bocejava, então ainda não acabou?! e o meu avô não dormia no sofá. Eu era a única pessoa em casa e aguentei firme na varanda, sobrevivente da vazante da família. Mas foi esse o dia em que, sem que ninguém o percebesse, me despedi para sempre da minha aldeia e fugi. Fugi cobardemente, adicionando quilómetros aos anos, porque dói mais estar só nos lugares que conhecemos, porque não suporto mais abrir a cancela do cemitério para vos ver a todos de pálpebras desmaiadas sob o grito das andorinhas.
terça-feira, 7 de julho de 2009
6 anos
Mãe, porque é que os peixes não espirram?
Bem... hmmmm...
Que bom não ter respostas para ti! Tenho a honra de te acompanhar nestes anos em que cresces, meu amor.
Sinto o que as tuas mãos tocam, os teus olhos abrem-me novos horizontes e todos os dias me maravilho perante ti, meu pedacinho de eternidade.
Instintos Pecaminosos

Aqui fica a ameaça! Um destes dias perco mesmo a cabeça e experimento um desses clubes parisienses de que oiço tanto falar... pena não ter o outro ingrediente (leia-se, o meco), ora não é assim?
Para quem tem tudo o que é preciso, aqui fica uma sugestão coquine para uma soirée diferente no centrinho de Paris... que ao contrário de muitos outros, diz quem frequenta, surpreende pela qualidade do serviço, beleza do local e clientela selecta. E a minha avó Ai credo, filha, Virgem Santíssima! As coisas que te lembra...
sexta-feira, 3 de julho de 2009
Acidentes...
Hoje foi um dia engraçado. Pela primeira vez na vida, provoquei um acidente de automóvel, o que é sempre uma experiência a ter antes de morrer, estamos de acordo.
O melro seguia inocente no seu pópó a caminho do cruzamento, frente à Gare de Austerlitz, e eu, que devido ao calor hoje pus uma mini-saia, calmamente no passeio à espera para atravessar. Vejamos, nesta terra onde a maioria das mulheres que não são velhas e pesam menos de 100kg ou são loiras ou enjoadas (ou ambos), uma morena latina dá nas vistas. E hoje, vá-se lá saber porquê, pus uma mini-saia e um pouco de baton. O ventinho que levantou um pouco a saia ajudou à festa... O homem distraiu-se, coitado, é natural, o afluxo de sangue foi subitamente para outro lado que não o (minúsculo e primitivo) cerebelo masculino e eis que segue cruzamento fora para se espetar contra a furgoneta em frente. Nada de grave, umas latitas e uma manhã estragada... para ele, não para mim, que ainda agora me mijo a rir!
O melro seguia inocente no seu pópó a caminho do cruzamento, frente à Gare de Austerlitz, e eu, que devido ao calor hoje pus uma mini-saia, calmamente no passeio à espera para atravessar. Vejamos, nesta terra onde a maioria das mulheres que não são velhas e pesam menos de 100kg ou são loiras ou enjoadas (ou ambos), uma morena latina dá nas vistas. E hoje, vá-se lá saber porquê, pus uma mini-saia e um pouco de baton. O ventinho que levantou um pouco a saia ajudou à festa... O homem distraiu-se, coitado, é natural, o afluxo de sangue foi subitamente para outro lado que não o (minúsculo e primitivo) cerebelo masculino e eis que segue cruzamento fora para se espetar contra a furgoneta em frente. Nada de grave, umas latitas e uma manhã estragada... para ele, não para mim, que ainda agora me mijo a rir!
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