O ser humano em vias de desenvolvimento que cohabita comigo esta despensa parisiense faz um escândalo às seis da madrugada, mamã, mamã, anda ver, mamã, e eu de cuecas e olhos abotoados, que caraças, que é que foi agora... Os passarinhos, mamã! A Florzinha pôs um ovo, olha, mamã! Raios partam a porra dos bichos, que sorte de cão... arrasto-me até à gaiola e dubroço-me sobre a Ninis que dá pulinhos de excitação um ovo, mamã, um ovo... No chão da gaiola, desolado, um ovito minúsculo e branco - ora ainda mais esta... O ovo parecia ridículamente pequeno e perdido, e o meu instinto maternal comoveu-se daquela desolação. Seis da manhã, senhores... Sacudo rapidamente a ideia de uma minúscula omelete: bom, parece que temos de fazer um ninho aos teus passarinhos, Ninis. Ela continuava a saltitar abraçada a um peluche ué, que giro, vamos ter passarinhos bebés, mamã? Vamos? Podemos fazer o ninho agora, mamã? Podemos? Céus, são seis da matina, tenham dó... Difícil mesmo foi convencê-la a ir para a escola depois disto, mas entre promessas, protestos e explicações pseudo-científicas das etapas de gestação de um ovo (peço-lhe perdão, stora, devia ter estado mais atenta à Biologia...), lá se afastou escola dentro, desaparecendo atrás da mochila.
Às seis da tarde, estamos de volta a casa e pouco a pouco uma velha t-shirt e um pedaço de cartão transformam-se num ninho improvisado. A Ninis está radiante de poder pôr o ovo no seu lugar, quer absolutmente tocar-lhe e volto a repetir toda a história da gema, da clara, do pinto, do choco, blablabla... googlamos a coisa e aí estão os esquemas, o corte transversal e as etapas de evolução do pinto e, bolas, também há ovos de cobras, mamã? A sério? E crocodilos também?? E como fazem as mamãs crocodilo para chocar os ovos? Sinto-me uma espécie de David Attenborough de contrefacção comprado na feira...
Deitada na cama essa noite, exausta, maravilho-me como um pequeno ovo pode preencher todo um dia... a excitação da Ninis, o jantar a correr para olhar o ovo, e agora, mamã, que é que vai acontecer? Não posso evitar sorrir. E que dia é hoje, mesmo? 16? Não, 17... a ideia atinge-me como uma bala: faz quatro anos que a minha mãe morreu. Num segundo, recrimino-me horrorizada por ter passado todo o dia sem me lembrar, mas no segundo seguinte sorrio de novo - porque o ovo é mais urgente, até mais importante... e declaro-me viva, hoje.
domingo, 20 de setembro de 2009
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